Um belíssimo texto da escritora Marla de Queiroz, que, eu não poderia deixar de compartilhar.
Existem textos que você gostaria de ter escrito. Esse, é um deles. Ela trata muito bem a questão de como somos imediatistas, de como usamos máscaras e alimentamos relações vazias. Fala de algo muito angustiante que é a IMPOTÊNCIA(tudo isso tenho vivido atualmente).
Tudo é um processo de cura (como a mesma fala), temos que estar atentos para essas bruscas mudanças dentro de nós e arrumar direitinho cada cômodo da nossa casa interior. E, acreditar que apesar das dores, "TUDO VAI DAR CERTO SEMPRE, porque a vida se encarrega
das coisas e ela nos compensa com ela mesma."
Talvez haja muita acidez na lucidez, talvez haja a percepção
de detalhes das belezas que nunca reparamos. Quando estamos num
turbilhão emocional, as imagens turvas pedem anestesias e a gente acha
que obtém algum controle sobre as coisas, porque pensamos que podemos
deixar pra cuidar da nossa vida amanhã. Mas à medida que protelamos
nossa transformação, à medida que adiamos nossa mudança, adiamos também
uma forma nova de sentir outras alegrias. E fechamos os olhos pra quem
está ao lado, ou banalizamos um possível encontro que poderia
desencadear uma história mais bonita. Ter a felicidade como um
propósito, é a coisa mais difícil que conheço. Estamos sempre fugindo de
nós mesmos e nos julgamos espertos demais com a porção de pequenas
mentiras que nos inventamos. Mas a angústia que vem disso não nos deixa
esquecer que só estamos adiando um processo precioso e delicado demais
já que podemos continuar nos anestesiando. É preciso estar pronto, mas
estar pronto também é transitório. E é preciso lucidez e coragem pra
enfrentar o nosso pior inimigo: nós mesmos. Admitir que estamos nos
fazendo mal com alguns hábitos ou relacionamentos destrutivos é
assustador. E muitas vezes a sensação de impotência é o que impera.
Somos imediatistas demais e não queremos sentir dor. Camuflamos nossa
infelicidade da forma mais adequada que podemos. E passamos boa parte da
vida sendo quem não somos. Até que nos esquecemos de quem somos e
vivemos aquela máscara social por tempo demais, mas sempre com aquela
sensação de que alguma coisa está fora do lugar, nutrindo relações
vazias e breves com medo de sermos descobertos.
Quando
entrei em reclusão para organizar o que estava fora do lugar, tive uma
das piores sensações da minha vida: era uma espécie de crise de
abstinência e a bagunça estava tão arraigada que eu não sabia por onde
começar a arrumar as coisas. Foram noites e dias enfrentando a vida de
peito aberto, e sangrava. Eu chorava baixo e pedia paciência. E tinha
pesadelos todas as noites. Acordava cansada e com o olhar mais triste
que já tive.Até que tudo foi se ajeitando aos poucos, dentro do meu
tempo e dos meus limites. Eu estava num processo de cura e não
percebia.Mas estava buscando avidamente ser quem eu realmente era, ou pelo menos, melhor.
Hoje,
eu consigo olhar pro meu passado como uma espectadora. E apontar cada
detalhe e cada erro e acerto e cada instante e sensação e fuga. As
projeções que fiz, as dependências que criei, as compulsões que tive,
hoje são um presente de maturidade e otimismo. Porque comecei a atrair
pessoas, histórias e assuntos mais leves, saudáveis. E criei pra mim uma
rotina de paz, e deixei de admirar muita gente e a apreciar outras.E vivi muita solidão, muita solitude, muito aconchego também.
Hoje
sou tão grata por tudo que doeu, por tudo que sangrou, pelo sono
perdido. Retomei o controle da minha vida e estou sendo amada de uma
maneira que me deixa mais segura. Perdi meus medos, sobrou apenas a
minha fobia de altura. E, por menos que eu tenha escrito, a poesia
sempre esteve em mim.
Brindo
com vocês esta fase nova em que ,finalmente, conheci a tranqüilidade.
Se eu tinha esquecido desta frase, hoje eu posso repetir com o coração
cheio de certeza: TUDO VAI DAR CERTO SEMPRE, porque a vida se encarrega
das coisas e ela nos compensa com ela mesma.
Marla de Queiroz
Foto: Praia do Porto - Barreiros/PE
Com: Andrezza Interaminense e Jamay Freitas
Beijos!!